Caixa de texto: 1.1A carga elétrica

1.1.1        Quantização da carga

1.1.2        Tamanho do elétron

1.1.3        Posição do elétron

1.1.4        Conservação da carga

 

 

O eletromagnetismo clássico estuda basicamente as interações entre objetos eletricamente carregados – suas cargas e correntes – em regime não-quântico. Estas cargas provêm dos prótons e elétrons dos materiais estudados, embora o eletromagnetismo também se manifeste em partículas eletricamente neutras, como nos nêutrons, existentes nos núcleos dos átomos, os quais não dispõem de cargas, mas possuem um campo magnético intrínseco devido ao seu “spin”. De fato, a carga elétrica é uma característica da matéria presente em várias partículas, como prótons, elétrons, múons e mésons π+ e π - e suas respectivas antipartículas. Nos átomos neutros, o núcleo com carga positiva e os elétrons, que possuem carga negativa, em quantidades iguais, tornam a maior parte da matéria em que temos contato no dia a dia, eletricamente neutra.

Diferente da massa, a carga caracteriza-se por duas qualidades opostas, às quais definimos como positiva e negativa. Sabemos que as cargas de sinais contrários se atraem e que as de mesmo sinal se repelem e esta característica parece estar relacionada com propriedades de simetria da natureza[*]. Associar a carga dos prótons a valores positivos e dos elétrons a valores negativos é uma convenção. Poderia ser ao contrário. O primeiro a estabelecer esta distinção foi Charles François Fay em 1733, que observou que duas porções do mesmo material quando eletrizadas, por exemplo, por tecido, terminavam por repelir-se, mas o vidro atraía do âmbar eletrizado. O tipo de carga que Fay chamou de vítrea foi depois chamada por Benjamim Franklin de “positiva”, e a que chamou de “resinosa”, passou a ser “negativa”.

Franklin observou que a carga total se conserva e que, em sua interpretação (correta) do fenômeno, o que ocorria era a transferência de carga de um corpo para o outro. Atualmente, a neutralidade da carga em um átomo é estabelecida com uma precisão de 1 parte em 1021, aproximadamente.

Quando falamos de correntes e campos elétricos em engenharia, geralmente nos referimos a fenômenos criados pela presença de elétrons e de prótons. Vamos analisar as principais características das partículas carregadas, dedicando uma atenção especial aos elétrons, responsáveis pelo transporte de cargas nos materiais condutores.

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Richard P. Feynman Prêmio Nobel 1965.

 

 

A solução dos problemas físicos segue por caminhos que frequentemente nos surpreendem. Mas a surpresa provém justamente da capacidade de formular propostas inovadoras, de olhar os problemas de fora do senso comum: exatamente o que temos de fazer para resolver problemas que parecem insolúveis. Não está no alcance deste curso, mas problemas como “porque é que a carga do elétron se mantém unida e não se repele”, ou ainda, “porque todos os elétrons possuem a mesma carga” são questões importantes da física. Feynman, prêmio Nobel de Física em 1965, em sua “Nobel Lecture”, conta que recebeu um telefonema de seu orientador de doutoramento, John Wheeler, na Universidade de Princeton, em que a conversa era mais ou menos assim: "Feynman, I know why all electrons have the same charge and the same mass" "Why?" "Because, they are all the same electron!", e segue explicando que no início do tempo, a linha que descrevia a história do elétron, ao invés de ter o tempo correndo para frente, era emaranhada em um imenso nó, e que em determinado momento houve um corte, que dividiu as linhas em segmentos que corriam para frente e para trás no tempo: os elétrons seriam os segmentos nos quais o tempo corre para frente e os pósitrons, as antipartículas do elétron com carga positiva, seriam os segmentos em que o tempo corre para trás, mas, ao final, Feynman faz objeções à proposta argumentando que não há tantos pósitrons quanto elétrons no universo.

 

Portanto, quando um problema parecer muito difícil para você, experimente pensar em soluções que estejam fora das possibilidades que você normalmente considera.

1.1.1   Quantização da carga

A carga elétrica ocorre em pacotes mínimos[†], sempre com módulo igual ao módulo da carga do elétron, que é de 1,602 177 33 x 10-19 coulomb, e não há partículas conhecidas com cargas diferentes destas. Quando dizemos que há uma distribuição contínua de carga, estamos fazendo uma simplificação que em geral é válida do ponto de vista macroscópico: a carga não se espalha pelo espaço como um fluido, mas apenas em partículas discretas, de modo que a carga total de qualquer corpo material é um múltiplo positivo ou negativo da carga do elétron.

Por outro lado, não existe carga magnética. Se existisse, sua observação poderia demonstrar a quantização da carga elétrica do elétron[‡]. Neste caso, as equações do Eletromagnetismo se modificariam para adicionar termos contendo esse tipo de carga, com a propriedade de que estas cargas se transformam em combinações lineares de cargas elétricas e magnéticas. O caso particular da escolha de um sistema como o nosso, com cargas magnéticas nulas, seria uma escolha arbitrária. Entretanto, a observação dessas cargas magnéticas nunca foi confirmada[§].

 

Propriedades das partículas elementares – quarks, leptons e bósons: massa de repouso (energia), carga e spin. Arquivo sob licença Creative Commons Attribution 3.0.

 

1.1.2   Tamanho do elétron

Elétrons são considerados cargas pontuais e assim seu volume é zero. Mesmo nos cálculos de estrutura atômica, quando se trata da força exercida entre os elétrons de um mesmo átomo, não se faz nenhuma suposição sobre o “formato” do elétron. Em um modelo “clássico”, o “raio do elétron” é calculado imaginando que sua carga elétrica esteja distribuída em uma esfera de raio re, de tal modo que toda a energia potencial eletrostática necessária para manter a carga unida é igualada à energia acumulada em sua massa, . Veremos neste curso que a energia potencial necessária colocar uma carga e em uma esfera de raio re é dada por

(1.1)

de tal modo que, omitindo o fator 3/5 (estamos interessados apenas em um valor aproximado e não sabemos se a carga está na superfície ou possui alguma distribuição especial), e igualando à expressão a mc2 obtemos:

 

(1.2)

Este modelo não leva em conta os efeitos quânticos, que dominam a mecânica nesta escala. Mesmo um modelo clássico tem dificuldades de explicar como a carga se sustenta sem colapsar e porque (conforme a equação 1.2, acima) o raio da partícula é inversamente proporcional à massa. Isto faria com que o raio do próton, que possui massa 1.840 vezes maior que a massa do elétron, seja nessa mesma proporção menor que o raio do elétron. Atualmente, tanto na mecânica quântica quanto na física de partículas, o elétron é tratado como uma partícula pontual e é assim que o consideraremos neste curso.

1.1.3   Posição do elétron

Ainda que consideremos o elétron uma carga pontual, ele existe em algum lugar no espaço – nos átomos, moléculas, cristais ou, eventualmente, como uma partícula livre.

Neste ambiente, a mecânica quântica prevê que partículas como elétrons não possuem a sua posição bem definida. Isto ocorre devido ao Princípio da Incerteza de Heisenberg, dado pela expressão Δx×Δp≥ħ, onde o produto da incerteza na posição (Δx) pela incerteza no momento linear (Δp) deve ser maior que a constante de Planck reduzida ħ (que é a constante de Planck h dividida por 2π). Como ħ vale 1,054 x 10-34 J×s, as incertezas são razoavelmente pequenas, de modo que para aplicações macroscópicas, a posição de um elétron pode ser considerada completamente definida por um vetor de posição r.

No formalismo da mecânica quântica, os elétrons são descritos por “funções de onda”. São funções que descrevem o estado de uma partícula: de uma maneira simples, podemos dizer que o quadrado da amplitude da função de onda em determinada posição do espaço, é proporcional a densidade volumétrica de probabilidade de encontrar a partícula naquela posição. Assim, não sabemos onde um elétron se encontra quando ocupa o orbital 1s do átomo de Hidrogênio, mas podemos afirmar 98% de certeza que ele está dentro de uma esfera com raio 10-10 m centrada no núcleo do átomo[**] (se pensarmos no fenômeno sob o ponto de vista que o elétron se comporta como uma partícula).

1.1.4   Conservação da carga

A carga total de um sistema isolado nunca varia. Ainda que existam fenômenos físicos que podem criar ou aniquilar cargas, não existe nenhum fenômeno na natureza capaz de alterar a carga total deste sistema. Por exemplo, um raio g pode converter sua energia em massa e gerar um par elétron-pósitron (o pósitron é a anti-partícula do elétron, com a mesma massa e carga positiva) mas o balanço de cargas do sistema não muda.

Assim, para qualquer sistema isolado, isto é, no qual não há troca de partículas com o meio externo, a soma algébrica total da carga nunca se altera[††].

 

 

 

Este material é utilizado como notas de aula pelo Prof. Cesar José Bonjuani Pagan, na disciplina Introdução à Teoria Eletromagnética (EE521), do quinto semestre do curso de graduação em Engenharia Elétrica da UNICAMP. Ao mencionar este conteúdo solicita-se citar a fonte no seguinte formato: “Cesar J. B. Pagan, Notas de Aula ‘Introdução à Teoria Eletromagnética’, conforme disponível em [citar página web], em [inserir data].”

 



[*] Este assunto é estudado pela eletrodinâmica quântica.

[†] A menor quantidade possível está em partículas elementares chamadas quarks (e em suas antipartículas, os antiquarks). Há seis tipos de quarks, que possuem cargas positivas e negativas com valor de 1/3 e de 2/3 da carga do elétron (e). Prótons, por exemplo, são formados por três quarks: dois quarks “up” com carga +2/3e e um quark “down” com carga -1/3e. Elétrons, no entanto, são partículas elementares e não são feitas de quarks. Até hoje não foi possível se observar quarks em separado.

[‡] Paul A. M. Dirac, propõe que a carga magnética qm é dada por qm =n h/e, onde h é a constante de Planck e n é um inteiro, em “Quantised Singularities in the Electromagnetic Field”, Proc. Roy. Soc. (London) A 133, 60 (1931).

[§] Uma discussão desta hipótese encontra-se na seção 6.12 do “Jackson”.

[**] A função de onda deste orbital é proporcional a , onde a0 é o raio de Bohr, que vale 0,529177 Å (1 Å = 10-10 m, lê-se “Ångström”) .

[††] Este princípio é válido mesmo para situações em que o observador está em movimento. Nestes casos a teoria da relatividade prevê a alteração das medidas de tempo e espaço em função da velocidade, mas não da medida de carga elétrica, que continua a mesma em qualquer referencial.